Wednesday, April 25, 2007

viii.o último de todos os capítulos


O último de todos os capítulos, no coração do eterno reino Moghul, entre fortalezas, palácios, templos e cidades descontroladas. O calor abafa todos os pensamentos possíveis, todas as caminhadas desejadas.
Saímos da cidade sufocada em direcção a Orchha, antiga capital construída pelo sultão Rudra Pratap no século XVI. Hoje existem apenas as ruínas petrificadas dessa história, envoltas pela vegetação que cresce em redor do rio.
Temos ainda essa indelével sensação que era possível descobrir algo aqui, do outro lado dessa vegetação, na outra margem do rio, do outro lado do tempo...

imagem: orchha (abril 2006)
pedro bismarck. 2006.06

vii.agra e o taj mahal


Quantos de todos os edifícios construídos até hoje foram feitos por um insuperável desejo de amor? Para além da morte, os reflexos e as cores todas reflectidas no mais branco de todos os mármores, que superam o tempo e a história. A mais eterna de todas as histórias de amor. A mais eterna obra de arquitectura.


O Taj Mahal construído como túmulo da mais bela das princesas do rei mongol deveria ter um outro edifício, uma réplica igual mas revestida com mármore negro, que seria o túmulo do próprio rei. Unidos pela passagem do rio ali ficariam, fixando-se para sempre os dois amantes, petrificados nas pedras de mármore.


A beleza do Taj Mahal está na única coisa que daqui, nesta mera versão fotográfica da realidade, não vemos: os detalhes. São os detalhes que imprimem coerência a todo o edifício: nada é pintado, tudo é pedra e mármore de cores diferentes; as arestas são duplas e limpas, reforçam os diversos planos da fachada; há as molduras dessas janelas pequenas; há essas frases escritas na fachada com mármore negro; essas torres verticais e há essa luz que reflecte no rio e prolonga o edifício todas as manhas, todos os dias, todas as noites, quando a lua é a única testemunha desse amor mármore.
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imagem: taj mahal (abril 2006)
pedro bismarck.2006.06

Sunday, April 22, 2007

vi. Jodhpur e o Rajasthan


Em Jodhpur o dia amanheceu quente e entre a poeira e as casas suspensas umas nas outras aparecia esse castelo imenso em forma de miragem. A mais sublime das moradas destes reis do deserto.
A cidade respira sofregamente, caoticamente lá em baixo e deste lado das muralhas existe este perfume de um outro tempo que percorre ainda os corredores destes palácios.
Estes homens de longos bigodes que guardam as salas, que me falam de ópio; o som de uma flauta encantada que suspende esses pátios revestidos a mármore; essas mulheres de extensos e coloridos vestidos, de olhares negros e dentes brancos; essas varandas projectadas sobre a paisagem, sobre o mundo, sobre o tempo.
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imagem: castelo-fortaleza de Mehrangarh (abril 2006)
Pedro Bismarck. 2006.05

Tuesday, April 17, 2007

v. jaisalmer e o deserto


E depois de Udaipur, o deserto que se prolonga muito para além do outro lado dessa linha imaginária a que alguns chamam fronteira e que foi traçada há pouco mais de 50 anos. Do outro lado, o Paquistão. Aqui, somos nós no último reduto antes dessa extensa superfície de areia – Jaisalmer.

Existe algo nessas cidades que se constroem da cor da terra, da cor dos homens, da cor do tempo. O ocre domina a paisagem, entre os vermelhos, laranjas, azuis-turquesa, verdes, todos os verdes, desses tapetes, dessas roupas, desses olhares que nos interrogam por entre as ruelas labirínticas.

Cidade de comerciantes, de negócios, das grandes rotas do ópio e da seda, das especiarias. Entre a Europa e a China os caminhos percorriam-se por estas longínquas paragens. E da areia fina, como a areia de uma ampulheta nasceu esta cidade, magnificamente trabalhada e construída pelas mãos mais delicadas nessa luta derradeira contra o deserto.

Mas a cidade morre afogada, porque o excesso de captações de água com o aumento do turismo e de hotéis assim como os novos lagos artificiais, tem vindo a destruir as suas frágeis fundações. Demasiada água para uma cidade construída sobre essa ausência. Sobreviveu até hoje entre o calor abrasador e a areia e assim sobreviverá, Jaisalmer, nome eterno da mais bela e desconhecida princesa do deserto.
Tão bela quanto a minha imaginação. Jaisalmer existirá?
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imagem: um haveli (palácio) em jaisalmer (março 2006)
Pedro Bismarck.2006.05

Monday, April 16, 2007

iv.na rota do rajasthan.udaipur


Udaipur situa-se a algumas horas de comboio a norte de Ahmedabad, no início do grande estado do Rajasthan. As casas e os palácios pintados de branco lembram uma dessas cidades mediterrâneas, aonde se sente essa eterna influência muçulmana. Mas estamos na índia e num estado de antigas e remotas tradições, com uma sociedade ainda fortemente hierarquizada e marcada pelo sistema milenar das castas. É terra de trágicas histórias, de reis, de batalhas entre moghuls e de rajhputs, de pintura, da mais delicada pintura, de palácios, de jardins perfumados, de fortalezas, e do mais belo de todos os pores-do-sol, antes muito antes do deserto começar.

imagem: palácio em udaipur (março 2006)

Pedro Bismarck. 2006.05

Sunday, April 15, 2007

iii.ahmedabad

a) a cidade

Essa luz oriental é mais colorida nas primeiras horas da manhã e a cidade desperta cedo, muito cedo. E entre os primeiros carros, rickshaws, autocarros que sofregamente calam o silêncio da noite, acordam e levantam-se dos passeios, esses que aí vivem, noite após noite. E na Índia são tantos. O bazar vazio é apenas lixo, pó e faces que nos olham ensonadas. A cidade cresce indefinidamente ao longo do dia e o caos torna-se insuportável. É gente que passa, que nos olha, que nos toca, crianças que abanam a mão e dizem adeus, que sorriem com olhos melancólicos, profundamente melancólicos. Ou então, são os meus próprios olhos melancólicos que eu vejo reflectidos.

b) kahn e o indian institute of management

Dentro dos muros do gigantesco (como tudo na Índia) complexo universitário, situa-se esse discreto edifício que é composto por múltiplas partes (a faculdade, biblioteca, escritórios, cantina, residência). E tudo resulta simples, simplesmente bem: para além do calor abrasador, estão esses infinitos corredores que prolongam o vento e o ar, que refrescam o edifício; os pátios, que definem cada momento preciso do espaço e do dia; a "falsa" fachada que protege do sol; os tijolos que revestem com as cores da terra a obra humana. E o edifício parece conseguir realizar a mais ambicionada de todas as sínteses, é moderno e é vernacular, é belo porque funciona. Moderno, na concepção teórica e prática dos espaços. Vernacular, porque segue os princípios elementares da arquitectura local na adaptação à geografia física e humana. Belo, porque consegue equilibrar todos os elementos activos no projecto de uma forma harmonizada e humanizada. A geometria e o desenho foram o meio e o instrumento aglutinador. Respira silenciosamente este edifício, muito para além da frenética arquitectura contemporânea.

c) corbu

Corbusier é sempre uma surpresa. Resulta interessante a forma como a arquitectura corbuseriana se adapta às questões climáticas e geográficas. A falsa fachada, revestida por plantas e flores; o espaço aberto e livre que permite uma grande liberdade de circulação de ar e de pessoas; os escritórios, os auditórios, os serviços que são organizados em forma de unidades independentes, protegidos pelas lajes e pelas grandes aberturas. Os acessos organizam toda a estrutura do edifício e são a peça fundamental, que começa desde logo pela majestosa rampa, passando pelas escadas aos corredores-foyer que ligam essas diferentes unidades. Há um certo cenografismo nessa porta, que dá acesso ao andar do auditório, mesmo no topo das escadas no 3º andar, que se abre abruptamente para a cidade. Há o detalhe da forma como a luz é filtrada para iluminar ténuamente o auditório. Há esse pressentimento que já tudo foi feito e que somos nós agora em pequenas e labirínticas variações.




d) a cor negra dos teus olhos

O bazar estende-se indefinido pelas ruas e ruelas entre sons confusos e cheiros intensos, no meio a grande mesquita Jami Masjid. O pátio cresce cercado pelas arcadas e há esses tapetes desdobrados sobre o chão, orientados à mais desejada de todas as cidades muçulmanas. O silêncio, apenas o silencio e o sol ainda quente do fim da tarde que desaparece no mais cativo de todos os olhares.
pedro bismarck.2006.04

ii.ainda goa.


Goa é terra de estranhas e improváveis misturas. E assim foi a chegada a Velha Goa, onde apenas vemos palmeiras e igrejas, os últimos e únicos vestígios daquilo que já foi a maior cidade da Ásia e a maior cidade portuguesa. Aqui as igrejas religiosamente pintadas de branco emergem por entre a vegetação tropical, são cerca de 15 mais os conventos, tudo o resto é literalmente paisagem e imaginação. A cidade perdeu-se para sempre, encontramo-la apenas nas pedras que foram trazidas para fundar a nova capital no século XVIII.


Panjim, é uma cidade portuguesa com cheiro indiano e desenha de forma maravilhosa a aglutinação desses dois mundos. As casas coloridas, as ruas e as praças que são definitivamente portuguesas. E depois, essas varandas imersas em flores, as palas e as portadas feitas de madrepérola, os telhados, os portões com nomes portugueses, os parapeitos, as janelas que exalam esse aroma a especiarias misturado com uma voz portuguesa.


Tudo isso é ainda português e sinto-me enganado por em tantos anos de escola e universidade, nunca me terem mostrado nem uma única imagem, nem uma única referencia de todo esse magnifico património que aqui construímos. Não percebo esse divórcio e a falta de interesse que nos separa destes territórios que ajudamos a construir durante tantos séculos. Ou será essa uma característica intrínseca da nossa mentalidade? De qualquer modo, há sempre esse ar português de alguma coisa que o foi, mas que já não é.


Existe do outro lado do mar. Permanece a saudade...

imagem: bairro das fontainhas, panjim (março 2006)

pedro bismarck.2006.04